Clínicas na Tailândia, China e Paraguai oferecem tratamentos com células-tronco (não aprovados) para doenças graves e incuráveis.
Mas é verdade que esses pacientes não têm nada a perder?
Confrontados com um diagnóstico fatal, pacientes e seus familiares podem concluir que não há mais nada a perder. Qualquer possibilidade de tratamento soará melhor do que a certeza de uma doença sem cura. Lidar com nossa própria mortalidade é difícil. E mais difícil ainda quando ela parece chegar antes da hora para aqueles que amamos. Na falta de alternativas, um número cada vez maior de brasileiros se volta para o que parece ser a última esperança: tratamentos com células-tronco no exterior.
Países como Tailândia, China, México e, mais recentemente, Paraguai, oferecem tratamentos com células-tronco para os mais variados tipos de doença. Os tratamentos são caros, custando em média entre 70 mil e 200 mil reais. Para bancá-lo, pacientes e familiares se viram como podem: rifas, vaquinhas, campanhas online, ou até mesmo processos contra o estado para garantir o custeio¹. Para os pacientes, vale tudo atrás do que parece ser a última esperança. Mas será que vale mesmo a pena?
“Não há nada a perder”
É compreensível que o diagnóstico de uma doença grave e incurável, especialmente em pacientes jovens, cause a sensação de que os potenciais benefícios de uma terapia experimental superam os riscos. No entanto, isso pode estar longe de ser verdade. Antes de optar por um tratamento com células-tronco não aprovado, considere os pontos abaixo.
Saúde
Não existe tratamento sem riscos ou sem efeitos colaterais: até uma simples aspirina pode ser fatal. No caso das células-tronco, a situação é muito mais complicada do que com a aspirina; afinal, células-tronco estão vivas. Uma vez no seu corpo, elas podem seguir se multiplicando e migrar para outros locais, sem que seja possível eliminá-las. Existem muitos exemplos disso. Um exemplo é o caso do americano Jim Gass. Ele procurou tratamento para o AVC que havia paralisado seu braço e perna esquerdos e acabou desenvolvendo um tumor na coluna que o deixou paraplégico².
Uma paciente americana realizou um tratamento estético com células-tronco na face. Mas essas células migraram para os seus olhos, onde se diferenciaram em células formadoras de tecido ósseo³.Outra paciente americana se submeteu a injeções com suas próprias células-tronco para curar uma lesão medular. Porém, as células geraram um tumor produtor de muco na região da medula⁴. Mesmo após o diagnóstico de uma doença grave, um paciente ainda pode ter muito a perder ao se submeter a um tratamento com células-tronco não aprovado.
Relatos de caso
A principal arma das clínicas vendendo tratamentos não aprovados de células-tronco são relatos de casos de pessoas que supostamente se beneficiaram do tratamento. Antes de se deixar convencer, leve em consideração que:
- Em muitos casos, a suposta melhora é subjetiva ou pouco clara. O paciente relata “ter um pouco mais de sensibilidade nas pernas” ou se sentir “menos cansado”. Mesmo que a sensação de melhora seja real, é um benefício, na melhor das hipóteses, muito limitado para o tamanho dos riscos.
- Efeito placebo é real. Ele é tão importante que em todos os ensaios clínicos sérios sempre se dá um tratamento “de mentira”, para ser comparado com o tratamento sendo testado. Certos problemas de saúde, como dor e depressão, por exemplo, sabidamente respondem com frequência ao tratamento placebo. Por isso, é preciso ouvir com cautela relatos de melhora após qualquer tratamento que não foi rigorosamente comparado com um tratamento placebo.
- É importante levar em consideração o curso da doença. Um paciente que sofre um acidente vascular cerebral (AVC) e se submete a um tratamento com células-tronco meses depois, provavelmente vai experimentar melhora no seu quadro clínico. Isso é esperado porque é o curso próprio do AVC: os pacientes tendem a melhorar progressivamente até dois anos após o acidente, com ou sem terapia com células-tronco.
- As clínicas divulgam os casos de sucesso, mas não os de insucesso. Não é possível saber exatamente quantas pessoas foram tratadas, e o que aconteceu com cada uma delas. Para cada paciente que passa bem após o tratamento, quantos pioraram?
- Por fim, as clínicas normalmente submetem os pacientes a tratamentos paralelos, como fisioterapia, câmera hiperbárica e alterações na dieta, dentre muitos outros. Se um paciente melhora, é impossível dizer quais elementos de fato influíram nessa melhora. Ao realizar tantos tratamentos ao mesmo tempo, essas clínicas tornam difícil identificar o que de fato funciona para aquele paciente. Se apenas um desses tratamentos é o responsável pela melhora nos sintomas, os demais procedimentos são apenas um gasto desnecessário de tempo e dinheiro.
Finanças
Terapias com células-tronco não aprovadas por agências regulatórias não são bancadas pelo SUS e nem por planos de saúde. Como consequência, os pacientes precisam arcar com o altíssimo custo do tratamento com recursos próprios. Além do tratamento, é preciso também levar em conta os custos com a viagem. Isso inclui a permanência em outro país, além de eventuais custos associados com várias semanas de afastamento do trabalho e da família. Os riscos desse tipo de tratamento não são apenas de saúde. Avalie também os riscos financeiros e pessoais a que toda a família será exposta em decorrência da busca por tratamentos não aprovados.
Em resumo, pacientes e seus familiares podem ser levados a acreditar que não há nada a perder. Mas na verdade sua saúde – física e financeira – podem ser, sim, gravemente afetados por tratamentos não aprovados com células-tronco. Antes de decidir por um tratamento com células-tronco converse com seu médico, com sua família e considere os pontos acima. No nosso próximo texto discutiremos como identificar estudos sérios com terapias celulares experimentais.
Referências:
Nenhum comentário:
Postar um comentário