sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Uma outra face das células-tronco


Quando falamos em células-tronco as pessoas logo pensam no seu potencial em regenerar células e tecidos. Já falei várias vezes de um sub-grupo muito especial de células-tronco adultas – chamadas de células tronco mesenquimais (CTMs).
As CTMs podem ser isoladas de vários tecidos tais como cordão umbilical, polpa dentária, tecido adiposo ou medula óssea, entre outros. Elas têm o potencial de se diferenciar em quatro tipos de células: músculo, gordura, cartilagem e osso. Mas, além disso, essas mesmas CTMs têm uma outra propriedade muito importante: um efeito imunomodulatório. Isto é, diminuir a reação imunológica do organismo, o que é fundamental em algumas situações como no caso de transplantes de órgãos ou doenças autoimunes.
Três pesquisadoras britânicas (Karen English, Anna French e Kathryn Wood) acabam de publicar uma revisão muito interessante sobre o potencial imunológico de CTM na prestigiosa revista Cell Stem Cell. A publicação foca CTM obtidas de medula óssea (CTMO), que foram as primeiras a ser identificadas, mas estudos mais recentes com CTMs obtidas de outras fontes sugerem que elas podem ter propriedades semelhantes.
O transplante de órgãos é ainda o método para salvar inúmeras vidas. Para muitos pacientes, substituir um órgão não funcional, como o coração ou o rim, pelo de um doador saudável é a única terapia disponível para prolongar a vida. Entretanto, pessoas submetidas a transplantes têm que enfrentar um problema pelo resto da vida: a tentativa de rejeição pelo organismo, que trata o órgão transplantado como se fosse um “invasor”.
Para controlar esse problema usam-se imunosupressores – drogas que controlam ou evitam a produção de anticorpos contra o órgão transplantado, o que previne ou retarda a rejeição. O lado negativo é que a administração dessas drogas a longo prazo pode aumentar o risco de outros efeitos colaterais, como a susceptibilidade a infecções, complicações cardiovasculares, diabetes e disfunção renal entre outras.
Portanto, o desenvolvimento de terapias alternativas eficientes para evitar a rejeição e garantir o sucesso a longo prazo dos transplantes, sem efeitos tóxicos ,é fundamental. E é aí que entram as células-tronco. Elas podem preencher essa lacuna.
Quais são as possíveis funções das células-tronco mesenquimais (CTMs)?
Vários estudos mostraram que quando um tecido é lesionado (por exemplo um machucado na pele), as CTMS se dirigem ao local da injúria. O papel que desempenham quando chegam lá, entretanto, ainda é objeto de pesquisas. Alguns cientistas acreditam que elas estimulem o reparo do tecido através da produção de fatores tróficos, tais como fatores de crescimento, citocinas e antioxidantes.
Nosso grupo no Centro do Genoma já mostrou que CTMs obtidas de polpa dentária, cordão umbilical, trompa de falópio e tecido adiposo têm o potencial de se diferenciar em músculo, osso, gordura e cartilagem, “in vitro”. Observamos também que as CTMs humanas isoladas de tecido adiposo conseguem formar células musculares humanas quando injetadas em modelos animais.
Mas um número crescente de pesquisas têm demonstrado que as CTMO, além da qualidade de se diferenciar em diferentes tipos celulares, possuem efeitos anti-inflamatórios potentes, tanto “in vitro” como “in vivo”. Isto é, elas têm a capacidade de modular as respostas imunes. Isso se daria através de um mecanismo complexo de interação direta ou indireta entre vários tipos de células. Por exemplo, as CTMO poderiam inibir a proliferação de células T ou outros tipos de anticorpos , que funcionam como soldados para defender o organismo do ataque de agentes externos.
Quais são as perspectivas futuras?
Essa propriedade imunomodulatória das CTMs abre novas perspectivas de tratamento não só para evitar a rejeição em transplantes de órgãos mas em doenças autoimunes (como esclerose múltipla, por exemplo) onde o organismo não reconhece suas próprias células e as ataca como se fossem inimigas.
Entretanto, é fundamental lembrar que elas também poderiam ter o potencial de acelerar a progressão de um tumor criando um ambiente favorável para o seu desenvolvimento. Portanto, todo cuidado é pouco.
Por Mayana Zatz

Fonte:  Veja

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